segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Um em cada três professores desenvolve depressão devido às pressões do trabalho

Demitida no final de 2011 de uma tradicional escola particular de Caxias do Sul porque contrariou ordem da direção e se negou a aprovar uma aluna, a professora de matemática Vaderlei Maria de Aguiar, 57 anos, entrou em depressão. Com crises de choro e taquicardia, ela trabalhava, nos meses anteriores à dispensa, sob efeito de remédios. 
Apaixonada pelo colégio onde lecionava e pela profissão que escolheu para seguir até a aposentadoria, ela se viu sem chão quando foi colocada na rua. Apoiada pelo marido, procurou tratamento e entrou com uma ação judicial por assédio moral e acidente de trabalho por motivo psicológico. O processo está concluído e ela foi indenizada.
Histórias como a de Vaderlei são cada vez mais recorrentes na rede privada de ensino e motivaram uma equipe de pesquisadores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em parceria com o Sinpro/RS, Sinpro/Caxias e Sinpro/Noroeste, a buscar as causas e apontar caminhos para mudar a preocupante realidade. O levantamento, feito com 755 docentes de todo o Rio Grande do Sul, revelou que 35,2% deles sofrem de depressão leve a severa. A maioria dos casos envolve mulheres (70,1%), casadas ou com união estável (66,4%) e com filhos (60,7%), entre 18 e 72 anos – o perfil em que Vaderlei se enquadra.
— É uma coisa que nunca imaginei, pois eu tinha verdadeira paixão por aquela escola. Os ataques de estresse me causavam alergia. Fiquei cheia de vergões pelo corpo. Nunca mais pretendo voltar para o ensino privado — desabafa Vaderlei (foto abaixo).
Foto: Diogo Sallaberry / Agência RBS
Hoje trabalhando na rede pública, a docente acredita que a busca por aprovação, em vez de formação intelectual, vem transformando os colégios particulares em um grande comércio, o que contribui decisivamente para que os professores se sintam desmotivados. Opinião semelhante tem a autora da pesquisa, Janine Monteiro, coordenadora do Programa de Pós-Gradução em Psicologia da Unisinos.

— Os docentes têm cada vez mais atividades para desenvolver, não costumam ganhar bem e enfrentam relações ruins com alunos e pais. Eles precisam ser mais ouvidos e fazer parte das discussões sobre a gestão do ensino — avalia.

Uma cartilha, baseada nos dados coletados, começou a ser distribuída na semana passada em Caxias do Sul para alertar sobre a situação. De acordo com Janine, mais de 50% dos entrevistados confessaram enfrentar sintomas de adoecimento mental como irritabilidade, insônia e dificuldades de memória, que, se não forem tratados, podem evoluir para o quadro depressivo. O objetivo do documento é mostrar o que pode ser feito e os locais adequados para orientação médica especializada.

"Qualidade de vida não existe mais. É uma cadeia sem grades"
Foto: Diogo Sallaberry / Agência RBS
Uma professora de Caxias do Sul, que pediu para não ser identificada (foto acima), percebeu que não estava bem no ano passado, quando começou a ter crises de ansiedade aos sábados. Desesperada só de pensar que teria de voltar à escola onde lecionava história e geografia, os finais de semana se transformavam em momentos de agonia e isolamento. Em março deste ano, a aflição paralisou-a completamente.

— Tive uma crise nervosa que deflagrou tudo: depressão com síndrome do pânico. Estou em meio a um tratamento caro com psicóloga, psiquiatra, terapia de grupo, terapia ocupacional e exercícios de memória. É um sofrimento para todos em volta. Não conseguia dar conta das mínimas coisas, me sentia uma inútil — desabafa.

Apesar de gostar muito do que faz, a educadora quase desistiu da profissão quando foi promovida a coordenadora. No novo cargo, em contato permanente com direção e pais, a professora afirma ter sido menosprezada até a situação ficar insustentável.

— As pessoas te questionam e colocam contra a parede para dizer coisas terríveis, para falar que sabem mais do que você, que se preparou e estudou uma vida inteira. Não temos direito de defesa. Isso vai minando e desestruturando a gente. Qualidade de vida não existe mais. Hoje somos professores, psicólogos, conselheiros. As relações precisam mudar — afirma.

Afastada das atividades por tempo indeterminado, a professora revela ter tentado cometer suicídio três vezes. Foi graças ao apoio do marido e dos filhos que reuniu forças para encarar a doença. Agora, diz que consegue "colocar os olhos para fora do poço", mas ainda não se considera pronta para retornar à sala de aula.

— O que aconteceu comigo? Estou preguiçosa, não quero mais trabalhar? Você se faz várias perguntas e se coloca como o lado errado da história. É uma cadeia sem grades — compara.

A PESQUISA
O estudo foi realizado entre outubro de 2015 e maio de 2016 com 755 professores de todos os níveis de ensino da rede privada em todo o Rio Grande do Sul. Confira alguns resultados:

— As doenças são desencadeadas por conflitos nas relações, longa e exaustiva jornada de trabalho, diversidade e complexidade das atividades, dificuldades inerentes às relações em sala de aula, desvalorização salarial, progressiva desqualificação e escasso reconhecimento social do trabalho de professor.
— Antes da depressão ser verificada, é comum a presença de sofrimentos psíquicos e mal-estares, como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas.
— Entre 2009 e 2013, somaram-se 2,1 mil auxílios-doença e/ou aposentadorias por invalidez concedidas na região Sul do Brasil, que representam 62% entre os afastamentos por adoecimento mental.
— Os sintomas que caracterizam o diagnóstico da depressão incluem a presença de humor deprimido quase todos os dias e durante a maior parte do dia, acarretando em choros, sentimento de vazio, agitação e/ou diminuição da energia e pensamento e ideação suicida.
— No ano que vem, na terceira etapa da pesquisa, será publicado um livro direcionado não somente aos professores, mas a toda a sociedade.

Perfil dos entrevistados
— Mulheres (70,1%), Homens (29,9%).
— Casados ou com união estável (66,4%).
— Faixa etária: entre 18 e 72 anos.z Tempo de exercício profissional: de um a 52 anos.
— Tempo de trabalho na instituição atual: de um a 43 anos.
— Carga horária semanal: entre quatro e 60 horas.
— Renda mensal da maioria: de um a três salários mínimos (26,9%) e de cino a oito salários mínimos (26,2%).


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